Folia e liberdade – Por Amadeu Roberto Garrido de Paula*

Para muitos, é impossível mensurar os amantes da folia, folia é liberdade. Mas nada é mais enganoso do que a liberdade. Só é absolutamente livre o que é inviolável. Apenas nosso, inatingível por meios externos. Nosso íntimo profundo, quando não nos dedicamos a brigar com ele. Todo o mundo exterior é transitório ou precário. E “o precário nunca é inteiramente livre; está sempre em perigo de invasão, sempre tremendo, sempre armado ou desejando estar armado, e a preocupação com o perigo é incompatível em que tão somente pode se dar a realização de qualquer coisa que valha a pena ser obtida por si mesma.” (Berlin).

Não é liberdade a folia que já corre solta no Brasil, mas para muitos é coisa muito boa. Ninguém tem o direito de censurar ninguém ou julgar. Que atire a primeira pedra. Porém, também ninguém deve ser compelido, por hábitos dos próximos, a foliar. Não gostar do carnaval é um direito pessoal inalienável, e se o noivo ou a noiva separarem-se por isso, é porque estavam fadados ao fracasso.

Alguma – não diríamos toda – razão têm aqueles que ficam a lembrar o “carnaval de antigamente”, das marchinhas rimadas, literariamente aproveitáveis, muitas delas. Nas entrelinhas estavam, contudo, de mãos dadas com o conservadorismo da sociedade brasileira.

A música tem, sim, muito a ver com a felicidade e o desenvolvimento dos povos. Não é sua causa, mas seu efeito. Antiga tradição chinesa, lembra Borges, dizia que as músicas ritmadas, as nossas clássicas e orquestradas, com as devidas ressalvas, indicavam uma sociedade que rumava à felicidade, enquanto os simples barulhos expressavam decadência. Creio nisso.

Muitas vezes é preciso fazer barulho. Bater panelas não é melhor que as atuais marchas de carnaval. E foi importante para o Brasil. Não se conquista a liberdade com as folias de momo, porque efêmeras. Mas erradicam-se os engulhos e o que deve sair para fora sai, pelos menos por horas ou dias.

A consciência do brasileiro nunca precisou tanto de paz. Não a paz dos cemitérios, mas, além da folia, pode ser a paz da meditação, da oração, das conjecturas, dos sonhos de um noite bem dormida. Somos todos diferentes; nem sabemos se uma parte é filha do “homo sapiens” e outra dos neandhertais, misturados, para tortura de dogmas religiosos.

Depois voltará tudo ao noticiário político, “rectius”, policial. A lava-jato e outras medidas higiênicas botará na cadeia ladrões juramentados, não apenas os resumirá a caminhões alegóricos. Talvez por pouco tempo, mas um dia já é um desgosto profundo para essa gente que ama mais dinheiro que gente e está no poder.

Em síntese, deixemos que corram os blocos, o sexo, com o auxílio de camisinhas governamentais, a reclusão dos que assim preferem, a liberdade ilusória de algum tempo.

Como disse Berlin, só no íntimo mais profundo de nossa intimidade reside a liberdade profunda, talvez em nosso primeiro ou em nosso último momento. Se somos seres contingentes, devemos nos harmonizar com as contingências, em busca da paz, mas liberdade é mais que paz. Sem crise e, sobretudo, com profundo respeito às opções alheias, inclusive de nossos mais próximos, sem renúncia às nossas.

*Amadeu Roberto Garrido de Paula, é Advogado e membro da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.

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